quarta-feira, 12 de março de 2014

Linguagens e Códigos - Aula I

- O que é Interpretação de Texto?

:: Professor Volney Ribeiro

O estudo da Língua Portuguesa, em qualquer de suas vertentes, é, acima de tudo, uma deliciosa viagem. Estudar Literatura, Gramática, Redação ou Interpretação de texto é viajar com direito a emoções na bagagem.

Lembrando que TUDO É TEXTO, passaremos agora à fascinante tarefa de INTERPRETAR textos com o auxílio de tudo que ocorre ao nosso redor. O que vemos, o que tocamos, o que cheiramos, o que ouvimos, o que degustamos, o que sentimos, todos os nossos sentidos servem para conhecermos o mundo, para conhecermos tudo aquilo que nos cerca: a cor vermelha da rosa, a maciez da pele de um bebê, o cheiro dos cabelos de uma mulher, a sonoridade perfeita de um violino, o sabor da fruta preferida, um estranho pressentimento...

A vida é um texto. Nós somos texto, andando ou parados, nus ou vestidos, nós somos texto. Todas as outras pessoas são textos. O mundo é feito de textos. Há milênios, por exemplo, nas praças das grandes metrópoles, são erguidos obeliscos enormes. As pessoas admiram a arquitetura, batem fotos etc. Mas por qual motivo aquela pedra gigantesca está ali? Apontando para o céu em busca de Deus ou um recado machista dos homens lembrando às mulheres quem manda?

► Outros textos


▼ Távola redonda – 1522



▼ Lesamants – René Magritte



▼ Moça com brinco de pérola – JohannesVermeer



▼ Símbolo da geração de 1960



Por causa disso, a grande ferramenta utilizada pelo ser humano dentro e fora de suas relações é INTERPRETAR. É preciso interpretar o mundo, os sons, as imagens, os objetos, os corpos, as roupas, os gestos, os sentimentos, as falas, os textos, as situações, as pessoas que falam, o que dizem, a quem dizem, como falam e por que falam. Estar no mundo é, o tempo todo, decifrar códigos, entender MENSAGENS, interpretar textos. Mas o que é mesmo INTERPRETAR?

Tecnicamente, podemos dizer sem medo de errar que interpretar é determinar o sentido preciso de um texto ou mesmo de uma lei; explicar o sentido de um texto; entender um texto; analisar e julgar um texto dominando todas as operações linguísticas, visuais e mentais nele inscritas. Interpretar é principalmente fazer inferências. Veja o que Machado de Assis já dizia, bem do jeito dele, sobre este processo.
O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no cérebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida.  
Machado de Assis

► DEMONSTRAÇÃO

Texto

Poema tirado de uma noticia de jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no
morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu
afogado.

Manuel Bandeira

Interpretação

No ato de interpretar, observamos primeiramente nesse texto, o gênero, ou seja, se é um conto, uma crônica, um poema, etc. Depois de observarmos que é um poema, identificamos qual o sentido predominante, Denotativo ou Conotativo, no caso da conotação, quais as figuras utilizadas. Em seguida, destrinchando o binômio Forma e Conteúdo, observamos que não é um poema tradicional, ou seja, um soneto, pois sua forma é assimétrica, típica do Modernismo, momento em que encontraremos o autor do poema, Manuel Bandeira. A ausência de vírgulas, em certas partes do texto, a assimetria dos versos e o desrespeito à gramática tradicional no uso da contração "no bar", em vez de "ao bar" são típicos da iconoclastia de 1922.

Por conseguinte, em busca do conteúdo, devemos saber por qual motivo diz-se que o texto foi tirado de uma noticia de jornal. Talvez porque o conteúdo, a morte de um miserável qualquer, um tipo de indigente, pois o barracão é sem número, aproxime o texto do gênero crônica, notadamente comum ao Jornalismo. Logo, o nome da personagem João Gostoso é uma ironia do eu-lírico, pois morando no morro é natural que ele seja um João Ninguém. Sua vida é desgraçada, seu sofrimento é a labuta diária na feira-livre. Por isso, ele bebe, canta, dança numa gradação que indica a tentativa de fugir desses dramas. Não conseguindo fugir aos problemas, ao trabalho duro e à vida no morro dos prazeres, do pecado, por isso o nome Babilônia passa a ter uma acepção bíblica, João Gostoso ou João Ninguém bebe, alegra-se, canta e dança, mas não consegue melhorar sua vida, por isso resolve se matar, como um tipo de fuga da realidade já que o álcool não conseguiu fazê-lo. Por isso, o nome do bar, relacionado com o mês de Novembro, o mês dos mortos, combina muito bem com o autor do texto, pois Manuel Bandeira, biograficamente, é um poeta que faz da morte um de seus maiores temas.

Em suma, temos um poema modernista, de cunho narrativo, como uma crônica policial ou social, sobre um homem de vida miserável, ironicamente chamado de Gostoso, que tenta esquecer as suas dificuldades se divertindo. Por não conseguir, atira-se na lagoa que é um cartão postal de sua cidade, um contraste com o morro onde habita, e morre de forma ridícula, similarmente à vida vazia e frustrante que levava.

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Recursos Léxicos

Veja os vídeos, depois analisaremos quais os tipos de recursos léxicos usados.

Trem de Alagoas - Ascenso Ferreira por Paulo Autran


TREM DE ALAGOAS
O sino bate,
o condutor apita o apito,
solta o trem de ferro um grito,
põe-se logo a caminhar...

                    — Vou danado pra Catende,
                    vou danado pra Catende,
                    vou danado pra Catende
                    com vontade de chegar...

Mergulham mocambos
nos mangues molhados ,
moleques mulatos,
vem vê-lo passar.

              — Adeus!
              — Adeus!

Mangueiras, coqueiros,
cajueiros em flor,
cajueiros com frutos
já bons de chupar...

             — Adeus, morena do cabelo cacheado!

            — Vou danado pra Catende,
            vou danado pra Catende,
            vou danado pra Catende
            com vontade de chegar...

Na boca da mata
há furnas incríveis
que em coisas terríveis
nos fazem pensar:

            — Ali mora o Pai-da-Mata!
            — Ali é a casa das caiporas!

            — Vou danado pra Catende,
            vou danado pra Catende,
            vou danado pra Catende
            com vontade de chegar...

Meu Deus! Já deixamos
a praia tão longe...
No entanto avistamos
bem perto outro mar...

Danou-se! Se move,
parece uma onda...
Que nada! É um partido
já bom de cortar...

              — Vou danado pra Catende,
              vou danado pra Catende,
              vou danado pra Catende
              com vontade de chegar...

Cana-caiana
cana-roxa
cana-fita
cada qual a mais bonita,
todas boas de chupar...

             — Adeus, morena do cabelo cacheado!

             — Ali dorme o Pai-da-Mata!
             — Ali é a casa das caiporas!

             — Vou danado pra Catende,
             vou danado pra Catende,
             vou danado pra Catende
             com vontade de chegar...

                                                                         Ascenso Ferreira

Do livro: "Poemas de Ascenso Ferreira", Nordestal Editora, 1995, PE

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■ Redondilha Maior e Redondilha Menor

→ Chamamos de Redondilha Maior o verso com sete sílabas poéticas, e de Redondilha Menor os versos de cinco sílabas. As redondilhas foram muito usadas no Trovadorismo e no Humanismo em Portugal. As Cantigas Medievais e também o teatro vicentino se fizeram com amplo uso desse tipo de verso, que só foi preterido (pelo menos em parte) quando Sá de Miranda introduz em Portugal a Medida Nova, ou seja, os versos decassílabos em sonetos.

■ Constitui a Poesia Popular
→ Responsável: Patativa do Assaré


Há dor que mata a pessoa
Sem dó nem piedade.
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.
Patativa do Assaré

Poesia Clássica
→ Poesia clássica é a denominação usualmente atribuída à literatura lírica grega e latina.
A poesia clássica abrange um período cronológico muito vasto. Muitos estilos, modelos, temas e autores se podem incluir.

— Principais autores
→ Na poesia grega muitos nomes emergem, entre eles Homero, Píndaro, Platão, Safo. Horácio, Virgílio, Camões e Catulo estão contados como os mais brilhantes exemplos da poesia latina.

Estrutura
→ A estrutura métrica baseava-se no "pé-de-moleque", um conjunto de sílabas que se classificava segundo o alinhamento de breves e longas. Composições como uma ode ou uma bucólica têm origem na poesia clássica.

→ Fica a dica: 

Os recursos linguísticos podem ser manipulados para imprimir uma maior expressividade ao texto, por isso, relacionam-se a diversos aspectos da língua: morfológico, sintático, semântico e fonológico. Para facilitar o estudo, as figuras de linguagem são divididas em: pensamento, construção e som.

O “som” como recurso estilístico é usado nas seguintes figuras de linguagem: onomatopeia, aliteração e assonância.  Neste texto, destacaremos as características da aliteração.
Aliteração: A aliteração consiste na repetição de um fonema, não necessariamente de uma letra, uma vez que na língua portuguesa nem sempre há a correspondência entre esses dois elementos. Veja os exemplos: táxi, exame e enxaqueca. A letra é a mesma, mas representa fonemas diferentes, por isso, é importante lembrar que a aliteração busca reproduzir sons.
Há um poema de Cruz e Souza – “Violões que choram” – que em uma de suas estrofes há um famoso exemplo de aliteração. Acompanhe:


Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.”

Perceba que o fonema /v/ foi largamente explorado nessa estrofe, mas com que objetivo? Lembre-se de que todas as vezes que um recurso estilístico é utilizado, há um objetivo. Nesse caso, a repetição do fonema remete ao som do violão. Perceba que essa estrofe exemplifica com propriedade a intenção da aliteração: sugerir sons.

A aliteração deve ser usada como um recurso estilístico, por isso é preciso tomar cuidado para não utilizá-la fora de contexto, pois pode trazer prejuízos ao enunciado. Por isso, evite o uso exagerado das figuras de linguagem, inclusive a aliteração, em textos em que a função poética da linguagem não é predominante.

Para reconhecer a aliteração é preciso prestar atenção aos seguintes detalhes:

O que se repete é uma consoante ou uma sílaba?
Essa repetição se dá na sílaba tônica?
Ela acontece pelo menos duas vezes no verso, na estrofe ou na frase?

Agora ficou mais fácil reconhecer a aliteração, não é mesmo? Para finalizar, uma última informação, a consoante ou sílaba que se repete, em geral, está no início ou no meio (interior) da palavra.

INTERPRETAÇÃO: MÚSICA “TOCANDO EM FRENTE!”


Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte mais feliz,
Quem sabe eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Ou nada sei

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maças
É preciso amor para pode pulsar
É preciso paz pra pode sorrir
É preciso chuva para florir

Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada, eu sou
Estrada eu vou

Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora um dia
A gente chega e no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história
E cada ser em si carrega o dom de ser
Capaz
E ser feliz

O significado das palavras de acordo com o texto:

Massas: povo
Pulsar: viver
Florir: ser belo, crescer, aparecer
Dom: sua tarefa para cumprir
Compor: criar

→ Só através do choro individual e de todo mundo, descobrirmos o valor de um sorriso.
→ Segundo o poeta, para inteirar a vida, é necessário entender o andamento da jornada e continuar vivendo.
→ Viver é uma aprendizagem, fruto da observação atenta das alegrias e dos sofrimentos por que passamos.
→ A consciência do significado da vida e o dom da capacidade de construirmos a nossa história podem nos deixar mais fortes, mais felizes.
→ Para podermos “saborear” a vida, precisamos vivenciar a paz e o amor, entre outros fatores que nos mostram que é possível compormos a nossa história com serenidade.

Há uma comparação explícita no texto: dela depreendemos que, na verdade, o que o poeta vai impelindo:

→ é a boiada;
→ são os dias;
→ é o dom da felicidade;

Nos versos: “Quem sabe eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei ou nada sei”.
O poeta demonstra que hoje é um homem:

→ experiente

Como era a vida do poeta no passado?

Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte mais feliz,
Quem sabe eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Ou nada sei

Quais são as coisas necessárias para a vida do poeta?
→ os 3 últimos versos da segunda estrofe ( amor, paz, paciência, experiência)

A palavra “chuva” está empregada de forma metafórica na poesia. Qual é o seu real significado de acordo com o contexto da estrofe?

→ chuva: sofrimento ( passar por um sofrimento para ficar mais experiente e florir ou seja, crescer)

Para o poeta, o homem é dono do seu destino?
→ Cada um de nós compõe sua história
– Eu vou tocando os dias pela longa estrada, eu sou estrada, eu vou.

→ Assonância é uma figura de linguagem ou um recurso sonoro que consiste em repetir sons de vogais em um verso ou em uma frase, especialmente as sílabas tônicas. A assonância é largamente utilizada em poesias mas também pode ser empregada em prosas, especialmente em frases curtas.


Vídeos

AE 2014 [9/3] - Volney Ribeiro - Português - parte 1/6



AE 2014 [9/3] - Volney Ribeiro - Português - parte 2/6



AE 2014 [9/3] - Volney Ribeiro - Português - parte 3/6



AE 2014 [9/3] - Volney Ribeiro - Português - parte 4/6



AE 2014 [9/3] - Volney Ribeiro - Português - parte 5/6



AE 2014 [9/3] - Volney Ribeiro - Português - parte 6/6



Outros Vídeos

▼ Interpretação Texto - Recursos Morfossintáticos



Poeta: Manuel Bandeira, Poema: Trem de ferro



→ Alternância de sílabas

▼ A Onda - Manuel Bandeira



Podcast

AE 2014 [9/3] - Volney Ribeiro - Português - Aula I
(Áudio Completo da Aula)
Download (56.3MB) 


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